Teresa Poester – 2011

Vide: vídeoarte no Museu do Trabalho

Vide de Eny Schuch, que o Museu do Trabalho apresenta até 23 de outubro, é composta de duas propostas em videoarte que ocupam diferentes salas da exposição.

Na sala menor os vídeo-objetos e objetos-sonoros fazem parte da pesquisa que foi contemplada com a Bolsa Funarte de Estímulo à Criação Artística, categoria Artes Visuais de 2008. A artista procura intensificar sensações provocadas pela imagem e o som trazendo-as para dimensões diminutas através de pequenos dispositivos digitais. A respeito destes objetos, Paulo Gomes observa: com seus sons de chuva, de fogo, de respiração ou de um coração batendo, não tenho certeza do que tenho nas mãos. A contradição se faz presente, pois a inércia do objeto de cerâmica ou gesso, com sua plenitude e integridade, se altera e se torna móvel, potente e vivo, pois sentimos sua matéria, fria ao primeiro toque, mas logo cálida e suave e mesmo macia. Como administrar um objeto que respira, ou do qual, pelo menos, ouço a respiração?

Eny Shuch iniciou seu percurso como escultora em 1990. Seus trabalhos em grandes dimensões e diferentes materiais, como papier mâché e resina, foram sendo carbonizados e desmaterializados. O vídeo, inicialmente utilizado como documentação do trabalho, converteu-se, ao longo dos anos, na sua principal fonte de experimentação. Dominando as técnicas de edição, Eny pode experimentar diferentes possibilidades da linguagem. Como certos videastas pioneiros, Nam June Paik ou  Fabricio Plessi, mantém o gosto pela transgressão da forma original do vídeo e pela sua relação  com as artes plásticas. Nesse trabalho com objetos, a artista retoma suas origens matéricas:  papier mâché misturado ao gesso, no exterior e  vídeo, no interior.  Os pequenos receptáculos contem imagens digitais que vibram dentro de formas disformes como pedras ou casulos. Essas peças contrapõem a materialidade de tessituras opostas numa alquimia de difícil mistura: o peso real e a leveza virtual, magia da surpresa em miniatura. Os furos na superfície são janelas que atraem os olhos a paisagens desconhecidas e incitam o olho voyeur. São objetos íntimos como as conchas que apertamos contra a palma das mãos e aproximamos ao ouvido para escutar a dimensão dos oceanos. Na sala maior, uma grande projeção foi instalada para ocupar todo o espaço da galeria e coincidir com o formato das paredes afim de que o espectador se sinta imerso no ambiente. Eny viu-se obrigada a editar o vídeo às vésperas da abertura pois precisava projetá-lo adaptado às dimensões das paredes. Este procedimento vêm caracterizando o trabalho da artista há muitos anos. Eny Schuch arrisca, é o que a mobiliza.

Foi assim na vídeo intervenção Porões A-paralelos, no porão do Paço Municipal, onde a experimentação no local e a montagem foi o desafio que recebeu o Prêmio Açorianos em Mídias Tecnológicas de 2008 com o grupo A-paralelos – composto por Eny, pela artista visual Niura Borges, pela bailarina Fernanda Stein e pelo coreógrafo Paulo Guimarães, com a participação do músico Arthur Barbosa. Da mesma forma, no trabalho com os alunos do Instituto de Artes, ou na época em que foi coordenadora da Pinacoteca Barão de Santo Angelo, Eny arrisca. Naquele período foi co-curadora da exposição “Porto Alegre em Foco”, com 478 artistas participantes do mundo inteiro e trouxe a vídeo instalação “Des-espelho” do grupo paulista SCIArts.

Este aspecto in situ do seu trabalho faz com que as decisões sejam rápidas. No caso da sala grande, pensou numa única imagem vista em 360 graus. O resultado remete aos panoramas pintados do século XIX numa versão digital. Mas a filmagem não foi contínua. É uma colagem onde há cortes que prevêem pequenos desajustes.

A artista, que vive perto da natureza, vem filmando há longos anos o movimento da paisagem: o vento, o fogo, a chuva, os animais. A matéria prima de seus vídeos é o tempo, o ritmo necessário a cada coisa. Eny altera o tempo, retarda e retrocede o ritmo das cenas. Edita como esculpe. Trabalha com tal sutileza que poucos percebem se o movimento da chuva avança ou recua e se houve alguma aceleração na vibração do fogo. Na pintura, diz, estamos mais acostumados a contemplar mais demoradamente a imagem fixa, no vídeo, nos habituamos à rapidez. Vide alude a essa vontade da artista de compartilhar a contemplação. A incidência de sons acentuam o envolvimento do observador. Há algo entre o pequeno e grande nesta exposição. Se na sala menor, podemos sentar e acariciar estranhos objetos, a galeria maior se converte numa câmara obscura para receber os diferentes ritmos das paisagens de Eny Schuch.

 

(Vide/ Museu do Trabalho, Porto Alegre/ RS, agosto a outubro de 2011)

Teresa Poester

Artista Visual e Professora do Instituto de Artes/ UFRGS

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